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Nilton Romani

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América do Sul - Brasil

   
Números preferenciais

Repositório Aberto

Resumo:

Há vários assuntos que se relacionam à numismática e à notafilia, mas que passam batidos. Por exemplo: por que nossas cédulas seguem um padrão numérico perceptível e como ele é definido.

Esse padrão, 1-2-5, que podemos observar nas cédulas do real, é uma série dos chamados números preferenciais. Uma série de números preferenciais é um “conjunto limitado de valores numéricos escalonados para determinadas características, tais como tamanhos lineares, áreas, volumes trabalho, potência, velocidade, especificações de qualidades, etc.” (ALMACINHA, s. d., p. 2). Esses valores são determinados em função da compatibilidade da segurança ou custo, para gerar características-padrão e de compatibilidade entre as partes.

O engenheiro francês Charles Renard (1947-1905) criou um sistema de números preferenciais com base no sistema decimal, dividindo o intervalo de 1 a 10 em 5, 10, 20 ou 40 passos em progressão geométrica.

Uma aplicação muito visível da série preferencial é, por exemplo, na computação, em que os bytes, pela natureza do sistema binário, agregados em potências de 2: 2, 4, 8, 16, 32… 1024. O valor seguinte é sempre o dobro do precedente, ou, nesse caso, potências de 2.

Das tantas séries de números preferenciais possíveis, considera-se derivação muito importante a 1-2-5, que chega a 10 em três passos; é nessa série que múltiplos e submúltiplos das unidades monetárias se baseiam. O 2 é considerado o numero de intervalo ideal entre 1 e 5, porque se pode, por exemplo, decompor 5 em três parcelas (2+2+1). O valor 3 não seria tão interessante, embora seja possível decompor 5 em três parcelas (3+1+1); a vantagem de 2 sobre 3 é que o primeiro é divisor de 10, mas 3 não. Logo, para formar 10, pode-se usar duas cédulas de 5 ou cinco de 2; se houvesse uma cédula de 3, precisaríamos de três delas, mais uma moeda de 1 real.

Por que não, então, uma cédula de 2 e uma de 3? A resposta novamente vem de Almacinha (s. d., p. 2): uma série de números preferenciais deve ser, dentre outras características, simples, regular, incluindo múltiplos e submúltiplos de cada termo, e lógica, proporcionando um escalonamento racional.

A sequência dos números preferenciais repete-se na ordem seguinte. Se pegarmos o real, por exemplo, temos a moeda de 1 e as cédulas de 2 e 5, na ordem das unidades; logo, na ordem imediatamente superior, a das dezenas, teremos: 10, 20 e 50; na ordem das centenas, a mesma coisa: 100 reais e, agora, a taxa de 200.

Como estamos dentro do sistema decimal, podemos estabelecer da seguinte maneira: 1, 2 e 5 são os valores-base, uma série de três termos (R3), ou seja, uma série de três termos em cada intervalo decimal. O prosseguimento da sequência são os mesmos números multiplicados por 101, ou simplesmente 10, e aí teremos 10, 20 e 50; depois os mesmos números elevados a 102, o que nos dá 100 e 200.

O dólar americano segue o mesmo sistema, com as cédulas de 1, 2 e 5 dólares; 10, 20 e 50; além da de 100. Também o euro o segue, tanto nos submúltiplos como nos múltiplos.

Quando o real foi introduzido, em julho de 1994, a nova unidade monetária seguia o padrão 1-5 (R2), que vinha sendo utilizado desde 1970, nas cédulas da primeira família do segundo cruzeiro; muito embora as moedas seguissem uma R3 padrão, 1-2-5, com as peças de 2 e 20 centavos, mas não existiram cédulas de 2 e 20 cruzeiros.

Na história do nosso meio circulante, tivemos algumas peças “avulsas”, por assim dizer. Nos anos 80, houve as taxas de 20 cruzeiros (moeda, introduzida em 1981) e de 200 (cédula, introduzida em 1981, e moeda, em 1985), mas não existiram representações das taxas de 2, 2 mil ou 20 mil. No cruzado, a partir de 1986, havia a moeda de 20 centavos, que era justamente a adaptação da peça metálica de 200 cruzeiros do padrão anterior, mas não houve a de 2 centavos.

As cédulas do real passarão a R3 1-2-5 no começo dos anos 2000, com a introdução das cédulas de 2 e 20 reais.

Nas moedas, a taxa de 25 centavos, introduzida ainda em 1994, quebra com o padrão, criando uma fração de um quarto da unidade. Se fossemos aplicar o 1-2-5 nelas, a moeda teria de ser de 20 centavos, e não de 25.

Há ainda uma variante do sistema, a R3 1-2,5-5, que foi usada pela Holanda até a introdução do euro. O termo 2,5 gerava as peças de 2,5, 25 centavos, 2,50, 25 e 250 florins.

O uso de uma série com números preferenciais permite a otimização no uso do meio circulante. Por exemplo, suponhamos que, em 1998, fosse necessário pagar a alguém a soma de R$ 54. Para usar o menor número de possível de cédulas nesse caso, seriam necessárias de uma de 50 reais e quatro de 1 real, já que a de 2 ainda não existia. Ou seja, seriam necessárias cinco cédulas.

Hoje em dia, pode-se pagar os R$ 54 com uma cédula de 50 e duas de 2, usando apenas três peças. A criação da cédula intermediária entre 1 e 5 acaba gerando economia, pois serão necessárias menos peças de 1 real em circulação.

É claro que há exceções aos números preferenciais. O rublo soviético tinha peças de 3 e 15 copeques e, embora tivesse uma cédula de 3 rublos, não tinha uma de 15, mas uma de 25. Para que essa série fosse realmente de números preferenciais, ela precisaria ser 1-1,5-2-2,5-3-5, o que resultaria em uma numária confusa e esquisita, pois precisaríamos de moedas, na ordem dos décimos, de 10, 15, 20, 25, 30 e 50 copeques, além de cédulas de 1, 1,5, 2, 2,5, 3 e 5 rublos.

A Birmânia também teve uma série fora dos números preferenciais nos anos 80, quando foram lançadas cédulas de 15, 35 e 75 kyats. Um dos possíveis motivos seria a fixação por numerologia do ditador do país, o general Ne Win. Essas cédulas duraram pouco mais de um ano e meio, quando foram desmonetizadas sem aviso prévio e substituídas por duas cédulas, uma de 45 e uma de 90 kyats. Conta-se que o 9 era o número predileto do general. Essas alterações provocaram uma quebra geral no país e uma série de protestos contra o governo, situação que acarretou um golpe de Estado.


Referências

ALMACINHA, J. A. O papel fundamental dos números preferenciais na estruturação da normalização em diferentes domínios. Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/119215/2/318806.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2020.


Autor: Nilton Romani
Fonte: Repositório Aberto