O ponto de partida da história do Museu da Imagem e do Som de São José do Rio Preto não é uma instituição — é uma família movida pela imagem.
O patriarca, Nelson Marques Alves, conhecido carinhosamente como Muca, foi fotógrafo, cinegrafista e entusiasta das tecnologias visuais nas décadas de 1950 a 1980. Autodidata e curioso, registrou parte da história social e urbana de Rio Preto por meio de lentes analógicas, filmes caseiros e fotografias que documentam desde festas populares até cenas do cotidiano.
Muca possuía um olhar sensível para a luz, a composição e o movimento. Sua atuação antecede o surgimento de escolas de fotografia ou coletivos audiovisuais na região, tornando-o um pioneiro da imagem rio-pretense.
Trabalhando com equipamentos simples — câmeras de fole, projetores portáteis e filmadoras de 8mm — ele construiu um acervo pessoal que serviria de base para a formação do MIS décadas mais tarde.
Mais do que um fotógrafo, Muca foi um contador de histórias através da imagem, alguém que compreendia a importância de registrar o instante antes que ele se perdesse. Suas imagens tornaram-se documentos vivos, guardiãs de uma memória que o tempo ameaçava apagar.
Crescendo entre câmeras, rolos de filme e flashes de magnésio, Fernando Marques teve sua infância marcada por um convívio íntimo com o universo audiovisual.
Ainda menino, observava o pai revelar negativos em câmaras escuras improvisadas, reparar lentes e organizar projeções familiares com antigos projetores de 16mm.
Esse ambiente doméstico — meio oficina, meio laboratório — foi sua primeira escola.
A fascinação pelo som surgiu junto com a imagem. A família mantinha rádios antigos, vitrolas e gravadores de rolo, usados não apenas para lazer, mas como instrumentos de preservação da voz e da música.
Enquanto outros garotos colecionavam figurinhas, Fernando colecionava bobinas, microfones e discos de vinil, percebendo que cada objeto tinha uma história a contar.
Esse contato precoce com o fazer técnico e a magia da imagem em movimento plantou a semente do que mais tarde se tornaria o MIS: um santuário da memória audiovisual.
A herança de Muca não se restringe ao acervo físico.
Sua verdadeira transmissão foi afetiva e simbólica: o respeito pelo passado, a paciência artesanal e a consciência de que o tempo é o verdadeiro autor de toda obra documental.
Fernando Marques cresceu com a noção de que preservar é também uma forma de criar — que restaurar um rádio, limpar uma lente ou projetar um filme antigo é reviver pessoas e épocas.
A tradição familiar também se expressa em valores: autonomia, curiosidade e persistência.
Sem apoio institucional e com recursos limitados, Muca e seu filho construíram um modo de fazer cultura à margem das estruturas oficiais — um exemplo de resistência cultural no interior paulista.
Essa postura formou a base ética e estética de Fernando, que, décadas depois, faria do MIS uma extensão natural dessa herança doméstica e afetiva.
As primeiras peças que dariam origem ao futuro museu foram mantidas na casa da família Marques, em prateleiras e armários cuidadosamente organizados.
Entre elas, destacavam-se uma filmadora Super 8 Bell & Howell, uma Pentax de 1960, um gramofone de 1898 e diversos rádios de válvula em baquelite.
Cada equipamento, restaurado por Fernando com a paciência de um artesão, carregava consigo uma narrativa: o rádio que transmitiu a Copa de 1958, a câmera que filmou as festas da cidade, o projetor que exibiu os primeiros cinejornais locais.
Com o tempo, amigos, artistas e familiares passaram a contribuir, oferecendo objetos guardados como relíquias pessoais.
Assim, de forma orgânica e silenciosa, nasceu um acervo que refletia não apenas a história da tecnologia, mas também a memória coletiva de uma comunidade que se reconhecia nas imagens e sons preservados.
Quando Fernando Marques decidiu formalizar o museu em 2012, o fez movido por um sentimento de continuidade.
O MIS seria não apenas um espaço de exposição, mas um ato de gratidão — uma homenagem à memória do pai e a todos os que, como ele, acreditaram no poder da imagem para contar a história de um povo.
Muca foi, portanto, o primeiro guardião da memória audiovisual rio-pretense, mesmo sem saber.
Seu olhar sensível e sua dedicação silenciosa inspiraram o filho a transformar um arquivo familiar em uma instituição que hoje projeta para o futuro aquilo que começou no passado.
O MIS é o espelho de um legado intergeracional, uma ponte entre o olhar do pai e o projeto do filho — entre o analógico e o digital, o doméstico e o público, o íntimo e o histórico.
As raízes familiares do MIS demonstram que grandes instituições culturais frequentemente nascem de gestos pequenos, mas perseverantes.
A história de Fernando e Muca é uma síntese do poder da memória: a capacidade de resistir ao esquecimento e de reinventar-se através das gerações.
Esse elo entre pai e filho fundamenta todo o projeto museológico do MIS e confere ao museu um caráter singular — o de ser uma homenagem viva à herança afetiva e tecnológica que moldou a história da imagem e do som em São José do Rio Preto.
Nilton Romani