“O tempo é o maior escultor. E nas mãos de Paulo César Rapassi, o tempo virou arte.”
— Nilton F. C. Romani
A vida de Paulo César Rapassi é uma travessia marcada por propósito.
Cada década revela não apenas as transformações de um homem, mas também as mudanças de uma cidade, de uma época e de uma forma de ver o mundo.
Sua trajetória acompanha o próprio crescimento de Votuporanga e reflete o poder que a memória tem de construir identidade.
Paulo nasceu em um Brasil ainda rural, em uma Votuporanga jovem, onde a vida comunitária era sustentada pela fé, pela agricultura e pela convivência.
Os anos de infância e juventude foram de aprendizado silencioso — observar o pai no ofício, ouvir histórias de antigos moradores, perceber o valor das pequenas coisas.
Nos anos 1950, o país começava a se urbanizar, e Paulo testemunhava o progresso sem perder o encanto pelas tradições. Foi nesse período que despertou seu gosto pela preservação do que desaparecia: ferramentas, documentos, peças de ofício e objetos religiosos que, nas mãos de outros, seriam descartados.
Nas mãos dele, tornaram-se relíquias.
Era o início de uma vocação: a de salvar o tempo da perda.
As décadas de 1970 e 1980 marcaram um período de amadurecimento e engajamento.
Paulo César Rapassi tornou-se um nome conhecido em Votuporanga, não apenas como comerciante e cidadão ativo, mas como alguém que entendia o valor histórico das coisas comuns.
Nessa época, começou a estruturar sua coleção com método: criava fichas, datava peças, identificava origens. O acervo crescia em silêncio, transformando sua casa em um espaço de memória viva.
Enquanto o país atravessava mudanças políticas e sociais, Paulo construía, peça a peça, uma ponte entre o passado e o futuro.
Participava de eventos culturais, trocava experiências com historiadores e guardava tudo — como se pressentisse que, um dia, aquilo tudo teria destino público.
Com o acervo já consolidado, Paulo começou a receber visitas de curiosos, estudantes e amigos que viam em sua coleção algo maior que um hobby: viam um museu em nascimento.
Era o tempo em que o colecionador se transformava em curador de si mesmo.
O cuidado com cada objeto era meticuloso: restaurava móveis, limpava metais, catalogava imagens.
Sua casa tornou-se ponto de encontro para quem amava história e cultura local.
Nesse período, surgiram as primeiras menções públicas à “Casa-Museu Rapassi”, expressão que simbolizava a união entre o lar e o patrimônio.
A maturidade trouxe serenidade, mas também visão. Paulo percebia que seu trabalho ultrapassava o âmbito pessoal — era uma contribuição à identidade de Votuporanga.
O novo milênio trouxe reconhecimento e continuidade.
Com o apoio e incentivo do filho Gustavo Rapassi, o acervo ganhou nova vida, sendo preservado e reorganizado com base em critérios museológicos e digitais.
Nascia oficialmente o Museu Rapassi – Guardião da Memória e Arte Local, marco de uma história que começou décadas antes, movida apenas por amor.
Mesmo com o avanço da idade, Paulo acompanhava cada detalhe.
Viu o museu se tornar ponto de referência cultural, espaço educativo e símbolo de orgulho para a comunidade.
Recebeu homenagens, menções em jornais, prêmios e, principalmente, o reconhecimento de seu povo.
Em suas palavras, ditas em uma das últimas entrevistas:
“Nada do que guardei foi por vaidade. Guardei para que ninguém esquecesse quem fomos.”
Essa frase resume toda a trajetória de um homem que fez do tempo seu aliado e da memória, sua missão.
A linha do tempo de Paulo César Rapassi é o retrato de uma vida inteira dedicada à preservação da cultura local.
Da infância curiosa ao legado institucional, sua história é a de um homem que aprendeu que o valor das coisas está no significado que elas carregam.
Seu exemplo permanece como inspiração para novas gerações de guardiões da memória.
Nilton Romani