Votuporanga, nas décadas de 1940 e 1950, ainda respirava o ar simples do interior paulista: ruas de terra, casas baixas, conversas nas calçadas e o tempo que parecia correr mais devagar. Foi nesse ambiente que nasceu Paulo César Rapassi, herdeiro de uma cidade em formação e de uma cultura que valorizava o trabalho, a fé e o respeito às tradições.
Desde pequeno, Paulo demonstrava curiosidade por tudo o que o cercava — as ferramentas antigas do pai, os retratos em preto e branco dos avós, os objetos que contavam histórias sem precisar de palavras. Enquanto outras crianças viam brinquedos, ele via testemunhos silenciosos de um passado vivo.
A infância em Votuporanga não foi apenas o cenário de suas primeiras lembranças, mas o alicerce de seu caráter: simples, observador, paciente e profundamente ligado à terra e às pessoas.
A família Rapassi sempre foi reconhecida pelo senso de união e pela valorização da memória. Fotografias, cartas e pequenos objetos eram guardados com zelo, não por apego material, mas por respeito às histórias que carregavam.
De seus pais, Paulo herdou o amor pela autenticidade das coisas — o hábito de consertar o que se quebra, de valorizar o que é antigo, de preservar o que tem valor simbólico.
Da comunidade, herdou a fé e o espírito de coletividade.
Dos mestres e amigos, o gosto pela arte e pela história.
Essas influências moldaram o seu olhar sobre o mundo: um olhar que via beleza na ferrugem, valor na madeira gasta e poesia nos pequenos detalhes do cotidiano. Foi assim que nasceu o colecionador que, mais tarde, se tornaria o guardião da memória de Votuporanga.
Todo colecionador tem um ponto de partida — um objeto que desperta o desejo de preservar.
Para Paulo Rapassi, esse início veio de forma natural, quase silenciosa. Um relógio antigo herdado, uma fotografia de família, uma imagem sacra guardada com devoção. Pequenos fragmentos de vida que, reunidos, formavam uma constelação de histórias.
Com o passar do tempo, esses objetos deixaram de ser apenas lembranças pessoais para se tornarem parte de um acervo em formação. Cada peça recebia tratamento respeitoso: era limpa, catalogada e guardada com cuidado, como se tivesse alma própria.
O que começou como uma coleção doméstica tornou-se um projeto de vida.
Paulo compreendeu que estava reunindo não apenas suas lembranças, mas as memórias de uma comunidade inteira. E, sem perceber, plantava as primeiras sementes do futuro Museu Rapassi, um espaço onde o passado seria acolhido como se fosse parte da própria família.
O primeiro capítulo revela as bases emocionais e culturais que sustentam o legado de Paulo Rapassi. Sua infância simples, a influência familiar e o despertar da consciência histórica formaram o solo fértil onde germinou a ideia do museu.
Antes de ser instituição, o Museu Rapassi foi um gesto de amor — um lar erguido sobre lembranças.
Nilton Romani