“Nós Não Pedimos Licença — Nós Existimos”**
“Eles nos chamaram de ilegais.
De inconsequentes.
De perigosos.
De utópicos.
Nós respondemos: ‘Não pedimos permissão pra nascer.
Não pedimos permissão pra sofrer.
Não vamos pedir permissão pra sobreviver — e florescer.’
O Palmas não foi autorizado. Foi necessário.”
— João Joaquim, em entrevista à Revista Caros Amigos, 2001
Não demorou muito para o sistema perceber que algo estranho estava acontecendo no Conjunto Palmeiras.
Uma moeda “caseira” circulando. Um “banco” sem autorização. Empréstimos sem contrato bancário. Juros baixos — ou zero. E, pior: o povo feliz, trabalhando, produzindo, consumindo — sem depender do sistema.
Primeiro veio o Banco Central — com cartas, visitas, questionamentos.
“Vocês estão emitindo moeda paralela — isso é crime.”
“Vocês não são instituição financeira — não podem emprestar dinheiro.”
“Isso aqui é irregular. Tem que parar.”
João Joaquim ouviu tudo — com calma, com respeito, com olhos firmes.
“Nós não estamos substituindo o real. Estamos complementando.
Não estamos roubando ninguém. Estamos cuidando dos nossos.
Se é irregular, então a fome também é? A exclusão também é? O agiotismo também é?”
Não houve confronto. Houve diálogo estratégico — e muita educação popular.
“Convidamos os fiscais pra tomar café na comunidade.
Mostramos os cadernos de empréstimo.
Apresentamos as donas de casa que agora vendiam bolo com dignidade.
Dissemos: ‘Se fecharmos, eles voltam pro agiota. Quer isso?’”
O Banco Central, surpreendentemente, não fechou. Observou. Estudou. E, aos poucos, passou a ver o Palmas não como ameaça — mas como laboratório vivo de inclusão financeira.
Depois veio o Estado — com políticas públicas, editais, financiamentos, “apoio”.
“Vamos ajudar vocês a se formalizarem.”
“Vamos incluir vocês no programa nacional de microcrédito.”
“Vamos transformar vocês num projeto-piloto.”
João sabia: apoio é bom — mas cooptação é morte lenta.
“Quando o Estado abraça demais, ele sufoca.
Quando o projeto vira ‘modelo’, ele vira museu.
Quando o povo vira ‘beneficiário’, ele deixa de ser sujeito.”
Ele aceitou recursos — mas nunca entregou a autonomia.
“O dinheiro deles pode entrar — mas a decisão continua aqui.
O nome deles pode aparecer no papel — mas a assinatura continua sendo a da Dona Marta, do Seu Zé, da Lúcia.”
Houve pressão. Muita. Para padronizar. Para burocratizar. Para “adequar”.
“Precisam de contador.”
“Precisam de estatuto.”
“Precisam de CNPJ.”
João cedeu — no papel. Mas manteve, na prática, o que importava:
As decisões coletivas.
Os empréstimos baseados na confiança.
As moedas que circulavam entre vizinhos.
As assembleias na calçada.
“Formalizamos o que era preciso — mas não deixamos formalizar o que era sagrado: a autonomia do povo.”
Mas o maior desafio não veio de fora — veio de dentro.
“João, isso é sonho demais.”
“Vai dar errado — e aí a gente que vai pagar.”
“Melhor aceitar o que o sistema oferece — pelo menos é seguro.”
Até dentro da comunidade, havia medo. Desconfiança. Ceticismo.
João não impôs. Convenceu — com resultados.
“Olha a Dona Marta — tava desempregada, hoje emprega duas jovens.”
“Olha o Seu Zé — tava endividado, hoje conserta máquina pra meia comunidade.”
“Olha a moeda — tava sumindo, hoje circula aqui, gera renda aqui, fortalece aqui.”
E, pouco a pouco, os céticos viraram defensores. Os medrosos viraram multiplicadores. Os que duvidavam viraram histórias de sucesso.
“A maior vitória não foi convencer o Banco Central.
Foi convencer o povo de que eles mesmos eram o sistema.”
João Joaquim desenvolveu, ao longo dos anos, uma filosofia prática de resistência:
“Nós não lutamos contra o sistema. Nós construímos outro — ao lado, por baixo, por dentro.
E quando o sistema percebeu, já era tarde: o povo tinha aprendido a viver sem depender dele.”
Anos depois, o mesmo Banco Central que mandou cartas de advertência passou a estudar o Palmas como case de inclusão financeira.
Universidades do mundo inteiro vieram pesquisar.
Harvard. Oxford. Sorbonne.
ONU-Habitat convidou João para palestrar.
Banco Mundial incluiu o Palmas em relatórios de “finanças inclusivas”.
João, sempre humilde, dizia:
“Eles querem nosso modelo — mas não querem nossa autonomia.
Querem copiar o banco — mas não querem copiar a fé no povo.
Então a gente ensina — mas avisa: sem o povo no centro, não funciona.”
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“João, este capítulo é sobre como vocês resistiram — ao sistema, ao Estado, ao medo.
Está certo? Está errado? Falta alguma batalha? Alguma frase que você disse na hora H?
Corrija. Acrescente. Risque. Escreva o que sentiu quando o fiscal chegou.
Este livro é seu — e só estará completo quando passar pelas suas mãos.”
Foto de João Joaquim conversando com um fiscal do Banco Central na porta da “agência” do Palmas — com moradores ao fundo, observando. Ou foto da primeira placa do Banco Palmas — simples, feita à mão, com orgulho visível.
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