“A Ideia ‘Maluca’ que Virou Moeda”**
“Disseram que era loucura.
Que ia dar errado.
Que era ilegal.
Que era perigoso.
Que era utopia.
Nós dissemos: ‘Então vamos ser loucos juntos.’
E foi assim que nasceu a moeda que ninguém queria — até todo mundo precisar.”
— João Joaquim, em entrevista ao documentário “Palmas: A Revolução pela Moeda”, 2005
Era fim de tarde. O sol ainda queimava, mas a brisa já trazia alívio. Na calçada da casa de Dona Lúcia, no coração do Conjunto Palmeiras, um grupo de moradores se reuniu — como faziam toda semana. Só que naquele dia, João Joaquim chegou com uma pergunta diferente:
“E se a gente criasse nosso próprio banco?”
Silêncio. Olhares cruzados. Alguém riu — sem maldade, mas sem acreditar.
“Banco? Aqui? Nós? Mas nem temos conta em banco!”
“João, cadê o dinheiro pra começar?”
“Isso é coisa de rico, de cidade grande...”
João sorriu. Não o sorriso de quem tem certeza — mas o sorriso de quem tem fé na capacidade do povo de inventar o impossível.
“Não precisamos de dinheiro pra começar. Precisamos de confiança.
Não precisamos de prédio. Precisamos de uma mesa, um caderno, e alguém disposto a emprestar R$ 10 pro vizinho.
O banco não é o lugar onde o dinheiro tá guardado. É o lugar onde a dignidade tá em circulação.”
Alguém perguntou:
“E se der errado?”
João respondeu:
“Aí a gente aprende. E tenta de novo. Mas se a gente não tentar, já deu errado — porque continuamos na mão do agiota.”
Não foi em agência. Não foi com contrato. Não foi com fiador.
Foi na varanda da casa de Seu Zé. Com um caderno pautado, uma caneta Bic e três testemunhas.
Valor emprestado: R$ 18,00
Destino: compra de linha e tecido para Dona Marta fazer camisas
Prazo: 30 dias
Juros: zero
Garantia: a palavra dela — e a confiança da comunidade
Dona Marta chorou. Não de tristeza — de alívio. Pela primeira vez, alguém acreditava nela sem exigir comprovante, sem pedir penhor, sem humilhar.
“Eu não tava pegando dinheiro. Tava pegando esperança.”
Um mês depois, ela pagou — e pagou com uma camisa extra, feita com carinho, “pra agradecer”.
Nasceu ali o primeiro empréstimo solidário do Banco Palmas — e com ele, a semente de um sistema financeiro que colocava as pessoas antes do lucro.
Mas João queria ir além. Sabia que empréstimo era importante — mas circulação era essencial. E o dinheiro oficial — o real — sumia do bairro assim que entrava. Ia parar no shopping, no supermercado da zona sul, no bolso de quem já tinha.
“Precisamos de um dinheiro que fique aqui. Que circule entre nós. Que valorize o que a gente produz.”
Assim nasceu a ideia da Moeda Palmas.
“Vamos criar nossa própria moeda. Vai valer o mesmo que o real — mas só circula aqui. Quem aceitar, ganha mais clientes. Quem não aceitar, perde.”
Risos. Desconfiança. Medo.
“Isso é cédula falsa!”
“Vai dar cadeia!”
“Ninguém vai aceitar!”
João, de novo, com calma e convicção:
“Não é falsa — é complementar.
Não é crime — é soberania.
E quanto a aceitar... nós vamos convencer — com diálogo, com vantagem, com exemplo.”
A primeira cédula foi desenhada à mão — por um jovem da comunidade que gostava de arte. Não tinha máquina de impressão, nem gráfica. Foi xerocada — colorida com lápis de cor.
Valor: 1 Palmas (equivalente a R$ 1,00)
Frente: desenho da comunidade, crianças brincando, mulheres vendendo, homens trabalhando
Verso: frase “A riqueza está em nossas mãos” + assinatura de três moradores
Cada cédula tinha um número — e um nome. Não de quem emitia, mas de quem confiava.
“Essa aqui é a número 001 — assinada por Dona Marta, Seu Zé e João.
Significa que eles garantem: essa moeda vale. Porque eles valem.”
Demorou. Muitos comerciantes recusaram. “Isso aí não presta.” “Vai dar prejuízo.” “É brincadeira.”
Até que Dona Lourdes, dona da mercearia na esquina, cansada de ver o bairro definhar, resolveu arriscar:
“Tá bom. Aceito. Mas se der errado, eu cobro de vocês, hein, João?”
No primeiro mês, vendeu 30% a mais — porque os moradores, agora com Palmas no bolso, compravam lá dentro, não iam mais longe.
“A moeda não era papel — era lealdade comunitária.”
Outros comerciantes viram. Quiseram entrar. A moeda começou a circular — devagar, mas com força.
Padaria aceitava.
Salão de beleza aceitava.
Oficina mecânica aceitava.
Costureira, quitanda, lan house — todos entraram.
A moeda “maluca” virou símbolo de resistência, autonomia e orgulho local.
Dois anos depois, o Banco Palmas e sua moeda começaram a aparecer em jornais, em teses de universidade, em relatórios do Banco Central (que, surpreendentemente, não fechou — mas passou a observar com curiosidade).
“Como é que uma comunidade sem banco criou seu próprio sistema financeiro?”
“Como é que uma moeda ‘inventada’ circula com mais confiança que o real?”
“Quem é esse tal de João Joaquim?”
Ele, humilde como sempre, respondia:
“Não fui eu. Foi o povo. Eu só acreditei primeiro.”
(Inserir aqui 1 página em branco com linhas pautadas e o título:)
“João, este capítulo é sobre o nascimento do Palmas — da ideia maluca à moeda que mudou vidas.
Está certo? Está errado? Falta algum nome? Alguma frase? Algum detalhe da primeira cédula?
Corrija. Acrescente. Risque. Desenhe a cédula como você lembra.
Este livro é seu — e só estará completo quando passar pelas suas mãos.”
Autor do blog:Foto da primeira cédula do Palmas (se conseguir digitalizar) — ou foto de João segurando uma delas, sorrindo, com fundo da comunidade. Ou foto da reunião na calçada — com o caderno de empréstimos aberto.